quarta-feira, 13 de julho de 2011

anoitece em paz

A minha manhã está profundamente enraizada em ti, até ao cotovelo. Respira fundo e pega na minha mão.
Quando morreres vou trazer trinta fadistas-poetas para cantarem o épico da aurora boreal que foi a tua vida.
Vão vir todos em fila com sapatos pretos direitos iguais e sapatos azuis esquerdos iguais. As calças de flanela aos quadrados cinzentos e brancos vão deixar ver um vislumbre dos tornozelos. No tronco vão vestir apenas suspensórios vermelhos, sendo que os que não tiverem pêlos no peito e nas costas trarão um implante artificial à base de esquilo morto.
Na mão direita vão trazer o caule de uma dália que será utilizado para bater nas pessoas que assistirem e para simularem um microfone. Na mão esquerda trarão um saco de plástico verde com a voz lá dentro.
Apenas à vez vão abrir o saco e cantar-te, isto quando, à vez, subirem para cima do teu caixão. Caixão cor de voo de graça constipada com anéis, como sempre exigiste.
A casa estará pintada de preto solidão, os móveis de branco luto, o chão de roxo paixão e o tecto de vermelho saudade.
Até lá só me resta esperar e guardar os papelinhos que tenho espalhados pelos bolsos dos meus casacos com as coordenadas de onde se encontram estes artistas.
O teu livro, fechado em ti, abro-o eu.