domingo, 31 de março de 2013

OHQLCURNC 13.


O homem ia a caminhar calmamente na rua, com um saco de biscoitos boa nova na mão esquerda, e levou com um raio na cabeça. Caiu como um peso morto no chão. Ficou em coma durante três dias, tendo acordado em excelentes condições a meio do terceiro. Toda a gente achou curiosa a história do portador da boa nova e houve mesmo quem aproveitasse a oportunidade para fazer negócio: começaram a produzir e vender uns pequenos raios de colocar ao peito, raios para colocar na parede a enfeitar e mesmo raios com íman para colocar no automóvel. Foi uma moda intensa mas não durou muito mais que um par de milhares de dias.

domingo, 24 de março de 2013

OHQLCURNC 12.


O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça. Caiu como um peso morto no chão. Levantou-se atordoado com uma sensação de afastamento da realidade. Na verdade, não reparou logo, mas desde que se levantou nunca mais tocou no chão. Começou por flutuar dois ou três milímetros. No dia seguinte reparou já estar dois centímetros afastado do chão. Com o esforço de quem mergulha ainda conseguia sentir a Terra, mas nem por isso se mantinha preso a ela como antes.
Os médicos começaram a elaborar teorias como sempre, mas não havia nenhuma explicação aceitável. Passado um mês o homem que levou com um raio na cabeça já andava a um metro e meio do chão. Várias soluções foram procuradas, como atá-lo a uma cadeira, ou colocar bolas de chumbo atadas às pernas. Tal como o mergulho no início funcionava, mas depois voltava à tona… e sem qualquer dificuldade ou dor flutuava com os pesos agarrados a ele.
O que a princípio o confundia e preocupava, depressa lhe passou a parecer normal e banal. Dormia colado ao tecto e depois por cima do telhado da sua casa. Concluiu consigo mesmo que estava a rejeitar o planeta. Não lhe era uma ideia nova, já antes de levar com o raio essas ideias lhe tinham cruzado o pensamento.
A partir dos dezoito metros de afastamento a atenção das outras pessoas começou a esmorecer. Foi ficando abandonado pelo ar. Ia caminhando como se o fizesse pelas nuvens. Aos sete meses tinha saído da atmosfera da Terra. Sentiu-se grande comparado com o gigante azul à sua frente. Num ano já se encontrava fora do sistema solar. Em dois anos fora da galáxia. Até que parou.
Parou num ponto neutro e afastado de forma igual de todos os outros pontos do universo. A partir daí esboçou um sorriso que ninguém viu, mas que nunca mais lhe saiu da cara. Começou a atrair poeira cósmica e outros pedaços de matéria flutuante que passavam por perto. Até que á sua volta se formou um enorme cometa. Quando já tinha o tamanho da lua o homem decidiu-se e arrancou a toda a velocidade de volta à Terra…

segunda-feira, 18 de março de 2013

OHQLCURNC 11.


O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça. De forma imediata transformou-se numa poça de muco. Uma poça de muco que não era uma qualquer. Uma poça de muco translúcida, tanto por ser transparente como por ser para lá de lúcida: omnisciente. Mesmo muito omnisciente. Tanto que sabe perfeitamente que neste momento estás a ler esta frase. E o que fizeste antes e o que vais fazer mais logo.
Ou então não era propriamente omnisciente porque lhe faltava saber uma coisa. De qualquer forma sabia que no parágrafo anterior eu iria aplicar o adjectivo erroneamente. E o que não sabia era como comunicar tudo o que sabia aos transeuntes. 
A única forma de transmitir algo era fazendo bolhinhas – bloop bloop. E assim o fez quarenta e duas vezes. 
As pessoas só acharam aquela visão bastante nojenta e no dia seguinte veio uma máquina da câmara municipal limpar a poça de muco que estava no meio da rua.

domingo, 10 de março de 2013

OHQLCURNC 10.


O homem ia a caminhar acelerado pela rua acima e levou com um raio na cabeça. Caiu como um peso morto no chão. Levantou-se devagar… em câmara lenta como nos filmes. Do chão quente elevava-se algum vapor, ou melhor, fumo que fazia lembrar vapor. Sentiu-se estranho, mas magnifica. O homem que levou com um raio na cabeça reparou então que tinha algo no peito. Colocou as mãos e constatou que tinha agora seios, dois voluptuosos e frescos seios. No meio do espanto perdeu algum tempo a apalpá-los. Lembrou-se então de um pormenor, desceu uma mão e depressa se convenceu do que tinha passado. 
Era agora uma mulher (e não, não se chamava Orlando). Decidiu continuar acelerada no sentido contrário para onde ia, rua abaixo. Entrou em casa e depois de acalmar a primeira coisa que se apercebeu foi que que podia ter filhos. Antes também podia, mas agora podia criar vida dentro dela. É verdade que ia receber menos dinheiro no trabalho (são factos, as mulheres em média recebem menos ordenado que os homens), mas a mudança provocada pelo raio desenhou-se-lhe risonha. Em meia hora para além da aparência física, o homem que levou com um raio na cabeça era uma mulher feita também em toda a forma de pensar e sentir e ser.   
E na verdade durante o resto da sua vida foi uma excelente mulher, daquelas mesmo excelentes, como as nossas mães e avós e irmãs e namoradas e primas e tias e amigas.

domingo, 3 de março de 2013

OHQLCURNC 9.


O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça. Caiu como um peso morto no chão. Levantou-se metamorfoseado em uma arma de fogo. Não se deixou ir abaixo com isso. Aproveitou na mesma e disparou até ao último dos cartuchos que tinha.