segunda-feira, 20 de outubro de 2008

nove

Costumo andar pela rua a olhar para dentro de qualquer coisa: de mim, de uma ideia, de uma ideia de mim, de uma outra pessoa, de uma ideia de outras pessoas misturadas com frutas e medo, raramente de uma montra.
Mais de muitas vezes distraio-me e tropeço. Não caio, mas sinto a vertigem de voltar a cair na realidade. Fisicamente vou a olhar para o chão, para o ar, para os outros, mas não é disso que me lembro quando regresso.
Não sei como é que ainda não fui atropelado ou me parti todo numas escadas. Suponho que o meu mecanismo de regresso funciona o suficientemente bem para evitar isso.
No entanto são raras as vezes em que reparo que vou a falar sozinho… o que, embora não seja razão para acidentes, transmite uma imagem demasiado real do que sou para fora. E ninguém gosta de ser apanhado dentro de si por desconhecidos. (Vou atar um fio dos lábios às pernas e isso vai-me fazer tropeçar e assim prevenir-me vertiginosamente da realidade circundante.)

...

Numa rua, numa mesa. A conversa era o que era, por vezes repetida no álcool. O primeiro encontro entre nós foi o que surgiu de imediato perante o fim, que vinha a ser adiado. Efeéeleicêidêádeàdêé e a incompatibilidade.
Um dia escrevo a tua biografia…

oito

As pessoas são geralmente constituídas por três mil trezentas e cinquenta linhas oblíquas encruzilhadas numa rede caótica, tipo cidade medieval, ortogonal, árabe, rádioconcêntrica, romana, castreja… Não é possível conhecer absolutamente todas as linhas, assim como todas as ruas, até porque o número três mil trezentos e cinquenta é apenas mais um número infinito.
Eu sou um rapaz simples, com o meu chapéu de palha, e penso que, não me conhecendo as ruas oblíquas, os outros me distinguem as linhas gerais.
Por sua vez, os outros avizinham-se mais complexos, dado que, como nos meus sonhos, encontro sempre bairros novos, novas maneiras de chegar aos mesmos sítios e velhas maneiras de chegar a sítios diferentes.
Na sua simplicidade de chapéu de palha, Braga perde-me nos sonhos, e acordado encontro sempre as linhas gerais. Mas de vez em quando abrem novas ruas…
Somos todos cidades encriptadas, alguns cidades mentirosas, outros cidades feitas de nuvem, alucinadas, perdidas dentro de bairros micro-cósmicos e cheios de três mil trezentas e cinquenta cidades- linha obliquamente encruzilhadas.
Se olharmos para cima vemos sempre o mesmo.