domingo, 28 de abril de 2013

OHQLCURNC 17


O homem acabava de parar um momento na rua e levou com um raio na cabeça. Caiu como um peso morto no chão. Levantou-se cansado, como se tivesse corrido duas maratonas. Não que se lembrasse de alguma vez ter corrido duas maratonas, mas pareceu-lhe que se sentiria assim. Como tal, meio chamuscado, foi-se sentar na beira do passeio para tentar descansar. Tirou uma garrafa de água que tinha no bolso do casaco para dar um gole, no entanto a garrafa estava completamente derretida e a água evaporada. Perdeu-se uns minutos a pensar onde estaria a água e caiu para ao lado.
Acordou alguns dias depois numa cama. Olhou em volta e pensou que era a de um hospital. Mas não era. Estava num palácio enorme sem divisões ou andares – de apenas uma divisão portanto. Um palácio estúdio. A cama bem no meio. De lá conseguia ver a forma interior do palácio, as janelas enormes, os torreões, os pináculos, todos os pormenores que se costumam ver da parte de fora mas em negativo. Levantou-se a perguntar-se como é que tinha ido ali parar.
Como se sentia melhor dirigiu-se à porta e ao abri-la caíram-lhe em cima cinquenta mililitros certos de água. Depois de passado o susto, até se sentiu bem. À porta do palácio não viu nada que reconhecesse. Apenas uma estrada que parecia não ter fim.
Decidiu seguir por essa estrada e mal deu a segunda passada a estrada começou a ruir atrás dele. Assustado começou a correr para não cair junto com a estrada. Correu oitenta quilómetros até parar o desabamento da estrada. Parou um momento mas antes de conseguir pensar em mais alguma coisa, levou com um raio na cabeça…

domingo, 21 de abril de 2013

OHQLCURNC 16


O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça. Caiu como um peso morto no chão. Transformou-se num cravo… de plástico. Mesmo assim murchou e secou. Foi sendo pisado até ficar em pó, em nada.

domingo, 14 de abril de 2013

OHQLCURNC 15


O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça. Caiu como um peso morto no chão. Levantou-se com uma sensação estranha de que era eu. Não sei se estão a ver qual é? Eu pelo menos acordo todos os dias assim… e a maior parte deles vou dormir sem me livrar dela.
Foi isso que passou a acontecer todos os dias ao homem que levou com o raio na cabeça. No início fazia-lhe confusão não se sentir como ele próprio, mas como eu. Apesar de todas as idiossincrasias que ser eu acarreta, o homem conseguiu adaptar-se. Ainda teve fases em que se meteu no álcool e nas drogas pesadas; fugiu em viagens termináveis mas longas; passou pelas religiões todas de joelhos em pé ou de pernas cruzadas. Tudo para ver se esquecia a sensação mas o resultado era muito momentâneo e por vezes com sequelas desagradáveis.
A dada altura resignou-se e deixou de lutar contra mim próprio, ou a sensação de mim próprio melhor dizendo... E a partir daí as coisas começaram a correr bem.
Um dia destes faço como ele!

domingo, 7 de abril de 2013

OHQLCURNC 14.


O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça. Caiu como um peso morto no chão. Veio logo uma ambulância buscá-lo. No meio da viagem foi acordando e ouviu umas frases suspeitas: Foi uma falha técnica; O sistema mediu mal as coordenadas; Não era suposto isto ter acontecido; Vamos ser todos despedidos se ele não aguenta.
Acordou ao fim da tarde na cama do hospital rodeado de familiares com um ar aliviado. Sentiu-se reconfortado mas uma frase de um primo deixou-o com a pulga atrás da orelha: Continua a festa.
Recuperou e continuou a sua vida normalmente. No entanto foi ruminando desde início o que tinha ouvido. Passou a acreditar que algo se passava. Que era especial e de alguma forma vigiado. Que a vida dele fazia depender dele todas as pessoas no mundo. Sentiu-se um messias, mas ao mesmo tempo, a sua tendência para a introversão não lhe permitia partilhar nenhuma destas ideias com ninguém.
Manteve neste limbo. Com a crença de que estava a ser constantemente vigiado passou a não fazer determinadas coisas que fazia antes: cantar no banho, falar sozinho, masturbar-se, escarafunchar o nariz, observar os poios que libertava ao mundo, olhar para os decotes e pernas que deambulavam pela sua frente, e mais todas essas coisas que tu fazes mas não queres que ninguém saiba.
Poucos meses depois entrou num convento (embora não tenha encontrado a fé no deus dos seus parceiros de mosteiro, a sua fé na vigia que tudo sabe levou-o a esta opção) e viveu uma vida de monge silencioso até ao fim dos seus dias.