quinta-feira, 26 de abril de 2012

Muro


I



Pasmem-se!
As virtudes foram roubadas
E levadas nas asas de palha dum
Porta-retratos
Fecha-portas
Repórter-chato
Porta-chaves.

Agora os
Descontos vêm em fila.
Comprem a últimas braceletes
Luminosas vendidas nos corações
(antigamente eram os outros
que rebolavam alarmando o mar
de que vinha aí o Verão
com os seus caprichos)

Pois fiquem sabendo
Que nunca mais!

__________________________________


Definição de pulga:
Um cisco que nos
penetra a vida em
forma de bola de neve
tilintando como um sino


__________________________________


Procurem outras razões
para esta loucura.
É impossível continuar
o movimento.
Comam os joelhos
das joaninhas virgens
 e oiçam o ruído
do telhado quando a chuva
 se mantém suspensa!

(podemos encontrar outros caminhos
em pacotes de açafrão,
 no entanto seria incómodo
e anti-ético
não entregarmos
as nossas filhas)

II


Admirem-se!!
Ninguém sabe o caminho
Até ao fim da estrada.
(ontem chovia, anteontem estava
nevoeiro, hoje não está,
 amanhã está longe)
Por isso
o melhor é perdermo-nos
o mais possível.


___________________________________


Definição de indefinição:
Ver antes. Algarve.
Guadalquivir.

___________________________________ 


Entreguem os cestos
aos cobradores
de IRS cobertos
de doce de melão
com capas negras
e bolinhas de cerveja.
(vistam os casacos,
encarnem cossacos,
cortem as unhas,
e peçam a última peça).

___________________________________



Atchim – Santoinho
Carnaval
Ponto

_____________________________________


Assim terminamos
E comuniquem uns aos outros
 o sol e a Somália
 em cima da peúga careca.
(Sim, outra vez seria um pouco diferente)

quinta-feira, 5 de abril de 2012

23, vinte e três, ou a tragédia do senhor, ou adeus

Lembro-me que estava uma vez numa paragem de autocarro, à espera do dito, e aperceber-me de que deus não existia.
Não foi algo que me veio à memória por causa de uma raiva pontual, contra o atraso do transporte público, nem mesmo crónica, contra as injustiças sociais e os percalços da vida em geral.
Suponho que estava a fumar. Ou talvez não. Era noite e devia ser outono: um frio fraco. Estava a olhar para o monte ou para o céu à minha frente e conclui calmamente que deus não existia. Nunca existiu. Odeio profundamente sentir pena e senti nesse momento pena de mim por ter achado em tempos que sim.
Já era ateu há algum tempo, afinal tinha decidido isso quando fiz o crisma e ao invés de alinhar com o seu verdadeiro propósito, divorciei-me finalmente da igreja romana e afins. Nunca me pus com ideias globais de crer em mitologias exóticas importadas. Continuei e continuo a gostar, mesmo a preferir, a Páscoa e a época envolvente: a Braga púrpura e a metáfora do ressuscitar do Homem. Quase toda a gente me acha estranho por isso e argumenta a favor do natal, do carnaval do equinócio de outono e até mesmo do dia internacional da psoríase, mas eu não quero saber, gosto mesmo é da Páscoa.
Ainda assim tornei-me um céptico devido à informação que tira a virgindade da inocente ignorância e sem saber como, nem porquê, nunca antes me tinha lembrado deste facto. A verdade é que, factos e teorias à parte, senti ainda mais pena de mim por estar sozinho, por continuamente falar sozinho sem mesmo ninguém ouvir. Por não ir a lado nenhum, por não ninguém me acolher e principalmente por não ser nada que possa ser acolhido após a desconsciência da morte.
Desporto radical este de ser agnóstico. Senti-me desamparado, equilibrista sem rede e atirar-me sem pára-quedas.
Foi triste admito.
Mas nem por isso decidi ir a pé a equacionar as coisas, a apanhar ar e a pensar de onde vinha esta percepção e para onde ia a percepção de mim/mundo. Passou-me depressa e sorri internamente. Era verdade, deus não existia, mas não fazia mal. Não foi um cataclismo, nem tão pouco uma revelação inesperada – foi apenas o desvendar de um algo que apenas o era. E é.
Tem-me sido possível viver assim. Por vezes preferia saber coisas que não sei e muitas mais vezes preferia não saber quase nada do que sei. Viver no quentinho da companhia guarda-chuva invisível. Sempre preferi fumar à chuva.