Ontem subi ao topo
do ponto mais alto, aquele que ninguém sabe onde é.
De lá de cima via
tudo; de tal forma tudo que demorei muito até perceber o que era que estava à
minha frente, depois de acabar o cume e começar a escarpa.
O meu pequeno
conjunto de neurónios apenas concebia ver um espaço amplo e alargado com um pôr-do-sol
ao fundo, o verde das árvores, as linhas das estradas, o castanho da areia e o
azul do mar. Uma imagem tão banalmente bonita que a conseguia desenhar com
pedaços de outras que já antes tinha visto. Ia inspirando pelo caminho ingreme
de forma a encaixar o puzzle na minha cabeça.
Não foi bem uma
surpresa, daquelas que nos fazem libertar adrenalina e responder emocionalmente
regressando depois ao normal, que me atingiu. Foi antes uma espécie de estalada
irreversível no hipotálamo, um pontapé no sistema límbico. A verdade é que
depois de ver o que vi nada seria igual para mim, para ninguém.
Como já disse
demorei muito até conseguir percepcionar e decifrar o que se apresentava
perante aquele elevado pico – perante os meus olhos não estava o espaço que
antevi, estava antes todo o tempo, todo: o que passou desde sempre, um sempre
tão amplo que me provocou dores de cabeça e sangramento pelo nariz; o agora,
neste momento em que me encontro no cimo do topo, neste momento em que escrevo,
neste momento em que releio, neste momento em que alguém lê o que escrevi; e o
depois tão infinito como o antes, revelador de tudo em mim, em ti, em nós.
Ao olhar para a
vista do tempo apercebi-me que passaram muitos anos desde que cheguei ao topo,
que não foi ontem, embora o tenha sido, que lá tinha chegado, e que amanhã
desceria, embora muito depois de amanhã. Vivi eras estagnado no mesmo local do
topo a olhar em frente, a ver atrás, no meio e bem à frente.
Sem me mexer passei
por todo o tempo e quando pensei perceber o tudo que se me apresentava
desmaiei. Por sorte, ao cair bati com a cabeça num arbusto fofinho e não me lesionei.
Por sorte caí de costas para a escarpa do topo do ponto mais alto, aquele que
ninguém sabe onde é. Sem olhar para trás, sabendo já de antemão que era o que
faria, desci.
Sentei-me aqui em baixo
a olhar para um papel e a escrever isto. Fiz isto ontem, fiz isto hoje, no dia
em que lês, e vou fazê-lo amanhã de novo, e depois, todos os dias, para sempre.