Sonhei esta noite
que a tua casinha velha estava abandonada e reduzida metade do seu tamanho a
armazém dos vizinhos. A mesma casinha com que tinha sonhado uns anos antes,
aquela que ficava num largo de casinhas baixinhas para onde se entrava por
debaixo do único prédio alto. Sonhei que desse prédio alto saiam senhoras, com os
seus mochos, a cantar concertadas todas à mesma hora, sincronizadas com os
animais. Depois saíam a voar pela janela, tanto as senhoras como os mochos, e
só se tinha que ter cuidado com as bombas intestinais dos pássaros. E iam por
outros túneis para outras ruelas e larguinhos.
Nesse largo havia
ainda, mais ou menos do lado esquerdo, quem esta de frente para o corrente da
tua casa velha, um portão velho e alto, fechado para as crianças não saírem no
recreio; do outro lado do portão ficava África e fazia-me confusão as crianças
não poderem ir lá.
No lado
diametralmente oposto à casa ficava o cemitério fechado, viam-se umas campas
velhas, com letras apagadas lá dentro. Ao dado esquerdo do portão ferrugento do
cemitério estava, como sempre, o único apontamento histórico do largo, a janela
gótica, baça e decadente como o tempo.
Quando sai do largo,
depois de olhar para a tua velha casinha e me lembrar do que lá tínhamos passado
fui a uma loja de brinquedos, peguei numa besta azul e vermelha e disparei a
seta que estava engatada com uma rolha na ponta, depois de tirar a rolha.
Vieram atrás de mim, mas não me apanharam porque os consegui enganar com um
ardil de criança.
Sonhei com isto tudo
e acordei triste por não te ter visto no sonho, por não te reconhecer senão na tua
ausência presente.
Talvez daqui a uns
meses regresse e a casa esteja de pé contigo lá dentro à minha espera como
antes; os mochos usem mini fraldas para aves; o portão para África possa ser
aberto finalmente; a janela recupere a sua glória; e a seta disparada pela
besta consiga atingir o seu destino. Talvez me apanhem finalmente nesse sonho.