quinta-feira, 5 de abril de 2012

23, vinte e três, ou a tragédia do senhor, ou adeus

Lembro-me que estava uma vez numa paragem de autocarro, à espera do dito, e aperceber-me de que deus não existia.
Não foi algo que me veio à memória por causa de uma raiva pontual, contra o atraso do transporte público, nem mesmo crónica, contra as injustiças sociais e os percalços da vida em geral.
Suponho que estava a fumar. Ou talvez não. Era noite e devia ser outono: um frio fraco. Estava a olhar para o monte ou para o céu à minha frente e conclui calmamente que deus não existia. Nunca existiu. Odeio profundamente sentir pena e senti nesse momento pena de mim por ter achado em tempos que sim.
Já era ateu há algum tempo, afinal tinha decidido isso quando fiz o crisma e ao invés de alinhar com o seu verdadeiro propósito, divorciei-me finalmente da igreja romana e afins. Nunca me pus com ideias globais de crer em mitologias exóticas importadas. Continuei e continuo a gostar, mesmo a preferir, a Páscoa e a época envolvente: a Braga púrpura e a metáfora do ressuscitar do Homem. Quase toda a gente me acha estranho por isso e argumenta a favor do natal, do carnaval do equinócio de outono e até mesmo do dia internacional da psoríase, mas eu não quero saber, gosto mesmo é da Páscoa.
Ainda assim tornei-me um céptico devido à informação que tira a virgindade da inocente ignorância e sem saber como, nem porquê, nunca antes me tinha lembrado deste facto. A verdade é que, factos e teorias à parte, senti ainda mais pena de mim por estar sozinho, por continuamente falar sozinho sem mesmo ninguém ouvir. Por não ir a lado nenhum, por não ninguém me acolher e principalmente por não ser nada que possa ser acolhido após a desconsciência da morte.
Desporto radical este de ser agnóstico. Senti-me desamparado, equilibrista sem rede e atirar-me sem pára-quedas.
Foi triste admito.
Mas nem por isso decidi ir a pé a equacionar as coisas, a apanhar ar e a pensar de onde vinha esta percepção e para onde ia a percepção de mim/mundo. Passou-me depressa e sorri internamente. Era verdade, deus não existia, mas não fazia mal. Não foi um cataclismo, nem tão pouco uma revelação inesperada – foi apenas o desvendar de um algo que apenas o era. E é.
Tem-me sido possível viver assim. Por vezes preferia saber coisas que não sei e muitas mais vezes preferia não saber quase nada do que sei. Viver no quentinho da companhia guarda-chuva invisível. Sempre preferi fumar à chuva.

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