Não foi algo que me veio à memória por
causa de uma raiva pontual, contra o atraso do transporte público, nem mesmo
crónica, contra as injustiças sociais e os percalços da vida em geral.
Suponho que estava a fumar. Ou talvez
não. Era noite e devia ser outono: um frio fraco. Estava a olhar para o monte
ou para o céu à minha frente e conclui calmamente que deus não existia. Nunca
existiu. Odeio profundamente sentir pena e senti nesse momento pena de mim por
ter achado em tempos que sim.
Já era ateu há algum tempo, afinal tinha
decidido isso quando fiz o crisma e ao invés de alinhar com o seu verdadeiro
propósito, divorciei-me finalmente da igreja romana e afins. Nunca me pus com
ideias globais de crer em mitologias exóticas importadas. Continuei e continuo
a gostar, mesmo a preferir, a Páscoa e a época envolvente: a Braga púrpura e a
metáfora do ressuscitar do Homem. Quase toda a gente me acha estranho por isso
e argumenta a favor do natal, do carnaval do equinócio de outono e até mesmo do
dia internacional da psoríase, mas eu não quero saber, gosto mesmo é da Páscoa.
Ainda assim tornei-me um céptico devido
à informação que tira a virgindade da inocente ignorância e sem saber como, nem
porquê, nunca antes me tinha lembrado deste facto. A verdade é que, factos e
teorias à parte, senti ainda mais pena de mim por estar sozinho, por
continuamente falar sozinho sem mesmo ninguém ouvir. Por não ir a lado nenhum,
por não ninguém me acolher e principalmente por não ser nada que possa ser
acolhido após a desconsciência da morte.
Desporto radical este de ser agnóstico.
Senti-me desamparado, equilibrista sem rede e atirar-me sem pára-quedas.
Foi triste admito.
Mas nem por isso decidi ir a pé a
equacionar as coisas, a apanhar ar e a pensar de onde vinha esta percepção e
para onde ia a percepção de mim/mundo. Passou-me depressa e sorri internamente.
Era verdade, deus não existia, mas não fazia mal. Não foi um cataclismo, nem
tão pouco uma revelação inesperada – foi apenas o desvendar de um algo que
apenas o era. E é.
Tem-me sido possível viver assim. Por
vezes preferia saber coisas que não sei e muitas mais vezes preferia não saber
quase nada do que sei. Viver no quentinho da companhia guarda-chuva invisível.
Sempre preferi fumar à chuva.
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