O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça.
Caiu como um peso morto no chão. Levantou-se, ou melhor, levantaram-se três
homens iguais… quase iguais. Três partes do mesmo homem. Entreolharam-se
durante um momento e depois viraram costas.
Um dirigiu-se para Norte. Ajudou uma idosa a atravessar a rua e um
invisual a apanhar o autocarro. Seguiu uma vida de boas acções, esteve em
organizações não-governamentais e lutou pelos direitos humanos, dos animais,
contra a fome e contra a pobreza. Foi admirado por todos os que o conheciam e o
seu trabalho teve impacto sobre um grande número de pessoas. Não se tornou
famoso, mas foi feliz assim.
Outro foi para Oeste, e pregou imediatamente uma rasteira a um coxo e
roubou o telemóvel a duas crianças. Durante a sua vida enganou quem pode,
roubou sempre que teve oportunidade, manipulou, maltratou, bateu e cuspiu
sempre que possível. Subiu a um cargo qualquer de respeito na sociedade que lhe
permitiu uma melhor exploração desta. Só quem o não conhecia verdadeiramente
podia ter uma boa opinião dele. Os restantes não o gramavam mas tinham-lhe
medo. A sua índole de tendência para a atrocidade retraia os opositores.
Obviamente ficou famoso, com direito a estátua e nome de rua, e foi, com isso,
muito feliz.
O terceiro homem não se mexeu. Ficou inerte e com uma expressão vazia no
rosto. Passou toda a sua vida no mesmo local. Embora não transparecesse,
interiormente pensava indeciso nas opções que tinha pela frente e decidia-se
constantemente que nenhuma valia a pena. As pessoas reconheciam-no como o homem
parado no mesmo local. Não se pode dizer que tenha sido feliz, mas infeliz
também não aparentava ser. Por dentro sentia apenas que era, por fora não
parecia ser nada.