Nesse dia havia no ar uma desconfiança que pairava
sobre a cabeça dos habitantes da aldeia. Um mau prenúncio. A tia
Arminda encostada ao beiral da sua porta espreitava o cimo da rua
enquanto que com uma mão puxava os pelos do bigode. A telefonia
estava, excepcionalmente nesse dia, cheia de interferências. Do outro
lado da rua a tia Florinda respirava fundo à janela, desviando o
olhar para a tia Arminda. Trocavam umas palavras:
- Viste o jogo ontem minha puta?
- Vi. O raio do moço nem para varrer o chão. Quem lhe
disse era um bom jogador de Curling devia estar a dormir.
O tio Patinhas estava ilustrado na capa do caderno do
Gertrudino que vinha a descer a rua:
- Olá tia Arminda. Boas tia Florinda. Como estão
minhas vacas?
- Eu estou bem – disse a tia Arminda a coçar a barba
– Estive a fazer a janta mas este ar de desconfiança aqui no ar
está-me a incomodar.
- És uma incomodadinha! - retorquiu a tia Florinda –
Que andas a fazer Gertrudino? Não tens que ir treinar para a final
da fórmula 1?
- Tenho mas...
De repente caiu um raio na cabeça de um homem que vinha
a subir a rua da aldeia. Caiu como um peso morto no chão.
Levantou-se meio a andar ao tombos e em vez de continuar a subir a
rua, voltou a descê-la.
- Este raios estão-me sempre a interromper. Raios! -
indignou-se Gertrudino.
- Esquece lá isso moço. Vamos todos à tia Perpétua
almoçar texugo no espeto.
Deram os três as mãos e desceram a rua rumo ao texugo
de Perpétua, famoso pelos quatro cantos da aldeia.