O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça.
Caiu como um peso morto no chão. Levantou-se devagar ainda meio atordoado e
continuou o seu caminho ainda sem perceber bem o que lhe tinha acontecido. Pelo
caminho foi ouvindo um choro, baixinho, quase surdo. Depois outro, e mais um a
seguir. Pensou para si que ainda estava confuso. No dia seguinte continuou a
ouvir choros por todo o lado, sem ver ninguém a chorar. Olhava em volta e só
via as pessoas a andar na rua alienadas nos seus botões, umas mesmo a rir de
banalidades em companhia, outras a trabalhar normalmente. O homem que levou com
um raio na cabeça não sabia o que se estava a passar, de onde vinham os choros.
Com o tempo foi-se habituando e quase que podia jurar para si próprio que
conseguia identificar de onde vinham os tristes lamentos, os gemidos de dor.
Mas não batia certo, nada batia certo.
Concluiu, passado meses, que conseguia ouvir as pessoas chorar por dentro.
A senhora do balcão do quiosque com ar de tédio, a namorada acanhada do casal
no jardim, o rapaz de phones nos ouvidos na passadeira, o idoso no banco da
avenida, o talhante, o alfaiate, a taxista, a florista. As crianças normalmente
eram as mais sossegadas e quando choravam toda a gente ouvia. O coveiro também
estava sempre silencioso.
Um dia pelo caminho perguntou ao jardineiro: “O que é que se passa? Posso
ajudar?”
E o jardineiro estourou em lágrimas. E o mundo inteiro a seguir estourou
em lágrimas. Todos os choros que o homem ouvia foram externalizados no espaço
de minutos. Os oceanos subiram o nível e só os cumes das montanhas se
mantiveram à tona. Em silêncio, em cima dos cumes das montanhas, sentados a
olhar o horizonte, ficaram as crianças e o coveiro.
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