domingo, 24 de agosto de 2008

tentativa errada

E se Braga fosse chuva nós seriamos gotas e cairíamos sem pára-quedas das nuvens enormes e negras que passassem no céu e cairíamos vários metros, quilómetros, a ver a Terra a aproximar-se (egocêntricos como sempre, pois nós é que nos aproximaríamos da Terra e esta é que nos olharia com uma curiosidade indiferente) cada vez mais e mais depressa. Depois esborrachar-nos-íamos no chão dividindo-se a nossa identidade pelos múltiplos quadrados do pavimento, segundo as múltiplas exigências destes (ou então mantínhamo-nos indivisíveis e unos e abandonados pelas outras gotas com medo de serem vistas connosco, e assim nós-únicas lentamente evaporar-nos-íamos de Braga para sempre). Depois caindo mais de nós iríamos formar um lago único, já sem diferenças, transparente, inodoro e inócuo, lago esse que começaria a mexer lentamente a bambolear, a escorrer pela rua abaixo, pela rua ao lado, pela rua acima, por todos os lados, não tão rapidamente como quando caíramos do céu, mas com uma cadência marcada, com uma cadência notória e vincada ao passar único do tempo existente para isso: o tempo que há. Depois dar-se-ia a entrada, tudo menos triunfal, na sarjeta, nas sarjetas, nos canos, no submundo da cidade, uma entrada pouco discreta mas irrelevante para o resto do mundo, uma entrada inevitável e lenitiva, a entrada nos canos onde se daria a união, o casamento, a fusão com o liquido suspeito e igualmente humano já presente nos esgotos, uma união simples de química básica, com quem mistura azeite com azeite ou água com água. Depois percorreríamos um caminho sinuoso e pastoso pelos labirintos enterrados em direcção ao nosso leito preferido de Braga, o rio Este, este rio Este que todos conhecemos e preferimos ignorar: o rio que há (como o tempo); aí a fusão seria de química avançada, plástica, um escorrer complexo para o rio e pelo rio. E depois no rio, e depois do rio todos sabemos, BragaNós escorreríamos daqui para fora, para o mar, para a imensidão de Não-Braga, com saudade da aventura e sem possibilidade, capacidade ou tendência para regressar, tirando os de nós que evaporassem e chovessem em Braga novamente.
E se Braga fosse chuva, choveria.
E se Braga fosse chuva, beberíamos, beberíamos Braga, beberíamo-nos, beberíamos.
E se Braga fosse chuva, Braga seria o que somos e o que é.
E se Braga não fosse chuva, não seria Braga.

Nenhum comentário: