O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça.
Caiu como um peso morto no chão. Levantou-se imediatamente e começou a ver a
vida dela andar para trás. Mesmo a andar para trás. No verdadeiro sentido da
palavra, literalmente, levantou-se e começou a andar para trás e a desfazer
tudo o que tinha feito. E com consciência disso. “Pensava que eu não tinha
feito nada” – dizia para consigo a par que ia subindo e descendo elevadores,
apagando documentos escritos, desconhecendo pessoas e o seu mais despreferido:
desfodendo. Aparentemente o descoito é uma experiência mesmo entristecedora.
Desamou pelo caminho e foi encolhendo e perdendo conhecimentos. Acabou no
ventre materno a perder células até se desmembrar em duas e perder a
consciência.
domingo, 27 de janeiro de 2013
domingo, 20 de janeiro de 2013
OHQLCURNC 3.
O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça.
Caiu como um peso morto no chão. Não se levantou imediatamente. Acordou um dia
depois no mesmo sítio com uma estranheza no corpo. Não uma estranheza física
por alguma mazela causada pelo raio, mas uma estranheza interior, sentida
profundamente. Levantou-se e continuou a caminhar sem saber para onde. Ia
identificando devagarinho o que sentia. Era uma espécie de vazio, de quem está
à espera. Sentiu-se expectante. Mas não sabia de quê. Já tinha sentido isto
mais vezes, à espera de um autocarro, de um evento ou de alguém. Só que desta
vez não tinha nada combinado. Mas esperava saber o que estava à espera.
Andou assim durante dias até que reparou que algo de incomum se passava.
Na verdade tinha levado com um raio na cabeça e sobrevivido, o que por si só já
não é normal. A espera mantinha-se dentro dele e tinha-lhe toldado os sentidos.
Durante esse tempo passado não tinha estado com ninguém. Tinha estado sempre
sozinho. Saiu à rua e verificou que não havia ninguém. Começou a perceber que o
que esperava era encontrar alguém.
Fixou-se nesse objectivo e andou por todo o lado em todo o mundo procurando, mas mais especialmente esperando encontrar alguém.
De toda esta solidão por várias vezes decidiu acabar com tudo. Mas o seu sentido de moral não lho permitia – enfim, tinha sobrevivido a um raio na cabeça no mesmo momento em que todos deixaram de existir, seria uma afronta não se considerar o mais miserável dos afortunados.
A unicidade não lhe agradava e partir de certa altura passou a esperar apenas que tudo acabasse. Viveu mais que Matusalém, sempre, sempre expectante. Depois apagou-se, como um raio que cai e apaga a luz num quarteirão, só que não foi apenas num quarteirão, foi em todo o lado para sempre. Apagou-se a espera, a esperança e tudo.
Fixou-se nesse objectivo e andou por todo o lado em todo o mundo procurando, mas mais especialmente esperando encontrar alguém.
De toda esta solidão por várias vezes decidiu acabar com tudo. Mas o seu sentido de moral não lho permitia – enfim, tinha sobrevivido a um raio na cabeça no mesmo momento em que todos deixaram de existir, seria uma afronta não se considerar o mais miserável dos afortunados.
A unicidade não lhe agradava e partir de certa altura passou a esperar apenas que tudo acabasse. Viveu mais que Matusalém, sempre, sempre expectante. Depois apagou-se, como um raio que cai e apaga a luz num quarteirão, só que não foi apenas num quarteirão, foi em todo o lado para sempre. Apagou-se a espera, a esperança e tudo.
domingo, 13 de janeiro de 2013
OHQLCURNC 2.
O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça.
Caiu como um peso morto no chão. Não se levantou imediatamente até porque levou
com outro. E em seguida com outro. Quando a chuva de raios parou conseguiram
levá-lo para o hospital. Apesar de tudo estava incólume. Depois deste episódio
e alguma atenção mediática, o homem que levou com vários raios na cabeça
continuou com a sua vida normal… até à próxima tempestade: levou com mais cinco
raios na cabeça. Não sofreu nada. Passaram a chamar-lhe Pára-raios. Não gostava
da alcunha e continuava a acreditar que era apenas um infeliz acaso. Nunca se
tinha passado nada de anormal antes do primeiro raio. Na terceira tempestade
nem quis sair de casa, mas ao espreitar na janela… outro raio! Efectivamente o
homem que levou com um raio na cabeça passou a ter a capacidade para atrair
todos os raios. Ficou a ser domínio público e embora pudesse ser utilizado como
pára-raios, a tecnologia existente permitiu-lhe não ser necessário e
esconder-se sempre que os trovões andassem no ar. Alguns chamavam-lhe Zeus, ele
gostava mais do que Pára-raios, no entanto entristecia-se na mesma por não
poder controlar nada. De resto tinha uma vida banal.
domingo, 6 de janeiro de 2013
OHQLCURNC 1.
O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça.
Caiu como um peso morto no chão. Não ficou morto, mas um peso no peito da sua
mãe surgiu de repente. Estava a mil e quinhentos quilómetros de distância. Mesmo
assim sentiu. O homem levantou-se a seguir. Vieram a ajudá-lo e levaram-no para
o hospital onde uma panóplia de análises foi realizada. Aparentemente tudo
estava bem.
E estava. O homem que levou com um raio na cabeça ganhou no entanto uma
estranha competência. Sentia um formigueiro nos dedos sempre que ouvia música.
Já tinha mexido em instrumentos mas não sabia tocar nenhum. Começou a olhar
para uma harmónica que tinha em casa, e viu, conseguiu ver mesmo a musica a ser
reproduzida nesta. Toda a música que tinha ouvido até então. Pegou na
harmónica, cheia de pó, ex-bibelot, e deu-lhe uma razão de ser. Tocou até os
vizinhos lhe tocarem à campainha a ameaçar com a polícia. Depressa procurou
outros instrumentos e descobriu que sabia tocar tudo o que tinha ouvido até
então em todos, ressalvas feitas às incapacidades de cada um. Tocou desde
melódica até sítara, passando pela bateria e pela tuba. Era incrível. Ganhou
fama como o homem que levou com um raio na cabeça e sabia tocar todos os
instrumentos do mundo. Qualquer um que lhe trouxessem, qualquer música que lhe
pedissem, desde que o deixassem ouvir antes.
Mas, existe sempre um mas, houve um dia em que lhe pediram inocentemente
para tocar algo dele. Começou por tentar algo que desembocou numa obra que os
ouvintes desconheciam mas ele sabia que não era dele. Tentou uma segunda vez,
uma terceira e uma quarta, sempre a reproduzir. Parou a récita ali e foi para
casa preocupado.
Depois de semanas a tentar o homem que levou com um raio na cabeça
percebeu que não tinha a capacidade de criar algo novo. Era o mais exímio a
reproduzir, melhor que os melhores que treinaram toda a vida, mas não tinha a
capacidade de criar nem a menor melodia de todas.
Pesou as escolhas: perante as pressões ou contava o segredo a todos, ou
apenas a alguns que criassem para ele. Poderia manter a sua ecolalia mas sem
ninguém saber. No entanto homem que levou com um raio na cabeça não conseguia
viver na mentira e assumiu perante todos o seu psitacismo. Houve defensores e
detractores da sua causa. Uns diziam que era o maior flop de sempre, os outros
defendiam que muitos grandes interpretes ao longo da história nunca tinham
composto. Foi perdendo o interesse do grande público e os seus quinze minutos
de fama esbateram-se trocados por um miúdo que sabia todas as distâncias do
mundo.
Ainda assim continuou a trabalhar em vários locais como músico em
concertos decentes e em freak shows. No entanto sempre que havia tempestades
saia à rua com a esperança de levar com outro raio na cabeça – um que lhe desse
a capacidade de criar, ainda que lhe retirasse a de reproduzir.
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