domingo, 6 de janeiro de 2013

OHQLCURNC 1.


O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça. Caiu como um peso morto no chão. Não ficou morto, mas um peso no peito da sua mãe surgiu de repente. Estava a mil e quinhentos quilómetros de distância. Mesmo assim sentiu. O homem levantou-se a seguir. Vieram a ajudá-lo e levaram-no para o hospital onde uma panóplia de análises foi realizada. Aparentemente tudo estava bem.
E estava. O homem que levou com um raio na cabeça ganhou no entanto uma estranha competência. Sentia um formigueiro nos dedos sempre que ouvia música. Já tinha mexido em instrumentos mas não sabia tocar nenhum. Começou a olhar para uma harmónica que tinha em casa, e viu, conseguiu ver mesmo a musica a ser reproduzida nesta. Toda a música que tinha ouvido até então. Pegou na harmónica, cheia de pó, ex-bibelot, e deu-lhe uma razão de ser. Tocou até os vizinhos lhe tocarem à campainha a ameaçar com a polícia. Depressa procurou outros instrumentos e descobriu que sabia tocar tudo o que tinha ouvido até então em todos, ressalvas feitas às incapacidades de cada um. Tocou desde melódica até sítara, passando pela bateria e pela tuba. Era incrível. Ganhou fama como o homem que levou com um raio na cabeça e sabia tocar todos os instrumentos do mundo. Qualquer um que lhe trouxessem, qualquer música que lhe pedissem, desde que o deixassem ouvir antes.
Mas, existe sempre um mas, houve um dia em que lhe pediram inocentemente para tocar algo dele. Começou por tentar algo que desembocou numa obra que os ouvintes desconheciam mas ele sabia que não era dele. Tentou uma segunda vez, uma terceira e uma quarta, sempre a reproduzir. Parou a récita ali e foi para casa preocupado.
Depois de semanas a tentar o homem que levou com um raio na cabeça percebeu que não tinha a capacidade de criar algo novo. Era o mais exímio a reproduzir, melhor que os melhores que treinaram toda a vida, mas não tinha a capacidade de criar nem a menor melodia de todas.
Pesou as escolhas: perante as pressões ou contava o segredo a todos, ou apenas a alguns que criassem para ele. Poderia manter a sua ecolalia mas sem ninguém saber. No entanto homem que levou com um raio na cabeça não conseguia viver na mentira e assumiu perante todos o seu psitacismo. Houve defensores e detractores da sua causa. Uns diziam que era o maior flop de sempre, os outros defendiam que muitos grandes interpretes ao longo da história nunca tinham composto. Foi perdendo o interesse do grande público e os seus quinze minutos de fama esbateram-se trocados por um miúdo que sabia todas as distâncias do mundo.
Ainda assim continuou a trabalhar em vários locais como músico em concertos decentes e em freak shows. No entanto sempre que havia tempestades saia à rua com a esperança de levar com outro raio na cabeça – um que lhe desse a capacidade de criar, ainda que lhe retirasse a de reproduzir.

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