O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça.
Caiu como um peso morto no chão. Não ficou morto, mas um peso no peito da sua
mãe surgiu de repente. Estava a mil e quinhentos quilómetros de distância. Mesmo
assim sentiu. O homem levantou-se a seguir. Vieram a ajudá-lo e levaram-no para
o hospital onde uma panóplia de análises foi realizada. Aparentemente tudo
estava bem.
E estava. O homem que levou com um raio na cabeça ganhou no entanto uma
estranha competência. Sentia um formigueiro nos dedos sempre que ouvia música.
Já tinha mexido em instrumentos mas não sabia tocar nenhum. Começou a olhar
para uma harmónica que tinha em casa, e viu, conseguiu ver mesmo a musica a ser
reproduzida nesta. Toda a música que tinha ouvido até então. Pegou na
harmónica, cheia de pó, ex-bibelot, e deu-lhe uma razão de ser. Tocou até os
vizinhos lhe tocarem à campainha a ameaçar com a polícia. Depressa procurou
outros instrumentos e descobriu que sabia tocar tudo o que tinha ouvido até
então em todos, ressalvas feitas às incapacidades de cada um. Tocou desde
melódica até sítara, passando pela bateria e pela tuba. Era incrível. Ganhou
fama como o homem que levou com um raio na cabeça e sabia tocar todos os
instrumentos do mundo. Qualquer um que lhe trouxessem, qualquer música que lhe
pedissem, desde que o deixassem ouvir antes.
Mas, existe sempre um mas, houve um dia em que lhe pediram inocentemente
para tocar algo dele. Começou por tentar algo que desembocou numa obra que os
ouvintes desconheciam mas ele sabia que não era dele. Tentou uma segunda vez,
uma terceira e uma quarta, sempre a reproduzir. Parou a récita ali e foi para
casa preocupado.
Depois de semanas a tentar o homem que levou com um raio na cabeça
percebeu que não tinha a capacidade de criar algo novo. Era o mais exímio a
reproduzir, melhor que os melhores que treinaram toda a vida, mas não tinha a
capacidade de criar nem a menor melodia de todas.
Pesou as escolhas: perante as pressões ou contava o segredo a todos, ou
apenas a alguns que criassem para ele. Poderia manter a sua ecolalia mas sem
ninguém saber. No entanto homem que levou com um raio na cabeça não conseguia
viver na mentira e assumiu perante todos o seu psitacismo. Houve defensores e
detractores da sua causa. Uns diziam que era o maior flop de sempre, os outros
defendiam que muitos grandes interpretes ao longo da história nunca tinham
composto. Foi perdendo o interesse do grande público e os seus quinze minutos
de fama esbateram-se trocados por um miúdo que sabia todas as distâncias do
mundo.
Ainda assim continuou a trabalhar em vários locais como músico em
concertos decentes e em freak shows. No entanto sempre que havia tempestades
saia à rua com a esperança de levar com outro raio na cabeça – um que lhe desse
a capacidade de criar, ainda que lhe retirasse a de reproduzir.
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