domingo, 20 de janeiro de 2013

OHQLCURNC 3.


O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça. Caiu como um peso morto no chão. Não se levantou imediatamente. Acordou um dia depois no mesmo sítio com uma estranheza no corpo. Não uma estranheza física por alguma mazela causada pelo raio, mas uma estranheza interior, sentida profundamente. Levantou-se e continuou a caminhar sem saber para onde. Ia identificando devagarinho o que sentia. Era uma espécie de vazio, de quem está à espera. Sentiu-se expectante. Mas não sabia de quê. Já tinha sentido isto mais vezes, à espera de um autocarro, de um evento ou de alguém. Só que desta vez não tinha nada combinado. Mas esperava saber o que estava à espera.
Andou assim durante dias até que reparou que algo de incomum se passava. Na verdade tinha levado com um raio na cabeça e sobrevivido, o que por si só já não é normal. A espera mantinha-se dentro dele e tinha-lhe toldado os sentidos. Durante esse tempo passado não tinha estado com ninguém. Tinha estado sempre sozinho. Saiu à rua e verificou que não havia ninguém. Começou a perceber que o que esperava era encontrar alguém. 
Fixou-se nesse objectivo e andou por todo o lado em todo o mundo procurando, mas mais especialmente esperando encontrar alguém. 
De toda esta solidão por várias vezes decidiu acabar com tudo. Mas o seu sentido de moral não lho permitia – enfim, tinha sobrevivido a um raio na cabeça no mesmo momento em que todos deixaram de existir, seria uma afronta não se considerar o mais miserável dos afortunados. 
A unicidade não lhe agradava e partir de certa altura passou a esperar apenas que tudo acabasse. Viveu mais que Matusalém, sempre, sempre expectante. Depois apagou-se, como um raio que cai e apaga a luz num quarteirão, só que não foi apenas num quarteirão, foi em todo o lado para sempre. Apagou-se a espera, a esperança e tudo.

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