e se braga fosse chuva
domingo, 28 de dezembro de 2014
terça-feira, 31 de dezembro de 2013
OHQLCURNC 52 FIM.
O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça.
Caiu como um peso morto no chão. Morreu.
Fim.
Fim.
OHQLCURNC 51.
O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça.
Caiu como um peso morto no chão. Durante um ano, todas as semanas aconteceu-lhe
a mesma coisa. Um raio na cabeça. Ninguém mais reparava, o homem sentia-se
confuso a início, desesperado um pouco depois, resignado por fim. Na verdade
caía e levantava-se sempre. Tirando o choque de levar com o raio, pouco mais o
afectava. Quando na primeira semana, passado um ano, não levou com o raio,
estranhou a situação. Na segunda e terceira sorriu aliviado, mas ainda com
receio. Com o tempo reparou que lhe às vezes até tinha saudades. Ainda assim,
esqueceu, como se esquecem todas aquelas coisas…
segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
OHQLCURNC 50.
O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça.
Caiu como um peso morto no chão. Levantou-se depressa e foi a correr para casa
porque se lembrou de que tinha deixado a torradeira ligada. “Deixar a
torradeira ligada é um perigo” – pensou o homem.
OHQLCURNC 49.
Passaram doze semanas desde que tinha feito o implante metálico na
cabeça. Quando ia a caminhar pela rua, pensou se não seria perigoso por atrair
raios. Passou os anos seguintes com medo. Até que um dia chuvoso, subindo
rapidamente a rua, se deparou com um homem que ia à sua frente, a levar com um
raio na cabeça. Perplexo foi ajudá-lo. O homem levantou-se e estava bem. Nunca
mais temeu as tempestades. Morreu de velhice num dia de sol.
domingo, 29 de dezembro de 2013
OHQLCURNC 48.
O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça.
Caiu como um peso morto no chão. Ao cair fez um barulho de silêncio. Causou
mais espanto ainda quando se levantou, de pescoço erguido, como uma tartaruga
que se estica ao sol, e começou a cantar com a mais bela voz do universo.
Diga-se de passagem que até povos alienígenas acorreram ao local onde o homem
cantava. Não cantava em nenhuma língua específica, no entanto era uma língua
reconhecida por todos. Nunca mais saiu do sítio onde caiu quando levou com o
raio. Uma peregrinação ao local instalou-se para o ver cantar, e toda a gente
lhe levava coisas para, quando pausava um pouco, comer e beber. Filólogos
tentaram decifrar a língua, musicólogos procuraram reconhecer a melodia, os alienígenas
trouxeram a sua tecnologia avançada para ajudar a esclarecer estas dúvidas. Com
o passar do tempo nada se esclareceu. Passou a ser conhecido como o homem do
raio que cantava o silêncio. O silêncio que fez ao cair, o silêncio que todos
faziam para o ouvir.
segunda-feira, 2 de dezembro de 2013
OHQLCURNC 47.
O homem ia a caminhar calmamente na rua e levou com um raio na cabeça.
Caiu como um peso morto no chão. Levantou-se devagar ainda meio atordoado e
continuou o seu caminho ainda sem perceber bem o que lhe tinha acontecido. Pelo
caminho foi ouvindo um choro, baixinho, quase surdo. Depois outro, e mais um a
seguir. Pensou para si que ainda estava confuso. No dia seguinte continuou a
ouvir choros por todo o lado, sem ver ninguém a chorar. Olhava em volta e só
via as pessoas a andar na rua alienadas nos seus botões, umas mesmo a rir de
banalidades em companhia, outras a trabalhar normalmente. O homem que levou com
um raio na cabeça não sabia o que se estava a passar, de onde vinham os choros.
Com o tempo foi-se habituando e quase que podia jurar para si próprio que
conseguia identificar de onde vinham os tristes lamentos, os gemidos de dor.
Mas não batia certo, nada batia certo.
Concluiu, passado meses, que conseguia ouvir as pessoas chorar por dentro.
A senhora do balcão do quiosque com ar de tédio, a namorada acanhada do casal
no jardim, o rapaz de phones nos ouvidos na passadeira, o idoso no banco da
avenida, o talhante, o alfaiate, a taxista, a florista. As crianças normalmente
eram as mais sossegadas e quando choravam toda a gente ouvia. O coveiro também
estava sempre silencioso.
Um dia pelo caminho perguntou ao jardineiro: “O que é que se passa? Posso
ajudar?”
E o jardineiro estourou em lágrimas. E o mundo inteiro a seguir estourou
em lágrimas. Todos os choros que o homem ouvia foram externalizados no espaço
de minutos. Os oceanos subiram o nível e só os cumes das montanhas se
mantiveram à tona. Em silêncio, em cima dos cumes das montanhas, sentados a
olhar o horizonte, ficaram as crianças e o coveiro.
sexta-feira, 29 de novembro de 2013
OHQLCURNC 46.
Nesse dia havia no ar uma desconfiança que pairava
sobre a cabeça dos habitantes da aldeia. Um mau prenúncio. A tia
Arminda encostada ao beiral da sua porta espreitava o cimo da rua
enquanto que com uma mão puxava os pelos do bigode. A telefonia
estava, excepcionalmente nesse dia, cheia de interferências. Do outro
lado da rua a tia Florinda respirava fundo à janela, desviando o
olhar para a tia Arminda. Trocavam umas palavras:
- Viste o jogo ontem minha puta?
- Vi. O raio do moço nem para varrer o chão. Quem lhe
disse era um bom jogador de Curling devia estar a dormir.
O tio Patinhas estava ilustrado na capa do caderno do
Gertrudino que vinha a descer a rua:
- Olá tia Arminda. Boas tia Florinda. Como estão
minhas vacas?
- Eu estou bem – disse a tia Arminda a coçar a barba
– Estive a fazer a janta mas este ar de desconfiança aqui no ar
está-me a incomodar.
- És uma incomodadinha! - retorquiu a tia Florinda –
Que andas a fazer Gertrudino? Não tens que ir treinar para a final
da fórmula 1?
- Tenho mas...
De repente caiu um raio na cabeça de um homem que vinha
a subir a rua da aldeia. Caiu como um peso morto no chão.
Levantou-se meio a andar ao tombos e em vez de continuar a subir a
rua, voltou a descê-la.
- Este raios estão-me sempre a interromper. Raios! -
indignou-se Gertrudino.
- Esquece lá isso moço. Vamos todos à tia Perpétua
almoçar texugo no espeto.
Deram os três as mãos e desceram a rua rumo ao texugo
de Perpétua, famoso pelos quatro cantos da aldeia.
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
OHQLCURNC 45.
O homem ia a caminhar rapidamente pela rua acima e levou
com um raio na cabeça. Caiu como um peso morto no chão. Levantou-se
completamente atordoado e foi logo contar a toda a gente – espalhar
aos quatro ventos, meter a boca no trombone, espalhar aos três
trombonistas e soprar ventanias com a sua história. Fez correr
sangue nas veias dos escritores de notícias e dos jornalistas
também. Apareceu na televisão e fez alguns anúncios de rádio e
aparições no cinema. Só que não era verdade. O homem não levou
com raio nenhum na cabeça. Era mentira, um falso testemunho. Mas o
narcisismo do homem não o permitia acreditar noutra verdade que não
a sua própria mentira. Até ao dia em que se olhou ao espelho e a
verdade lhe piscou o olho : “Não levaste com raio nenhum, sabes
bem!”. Virou-lhe as costas e inventou que agora via o futuro nos
espelhos, fruto do raio que o atingira.
Acabou a vida enrolado na mentira que criara para si
próprio, mergulhado no seu próprio reflexo.
terça-feira, 26 de novembro de 2013
OHQLCURNC 44.
O homem ia a caminhar rapidamente pela rua e levou com
um raio na cabeça. Transformou-se em nada – não ficou invisível
ou se desfez em pó – transformou-se em nada. As pessoas ao olhar
para o local do estrondo nada viam e o homem nada sentia, nem
consciência do raio tinha, nem do que tinha sido, nem do que era
agora: nada.
Nessa semana não se passou mais nada na vida do homem,
nem nada aconteceu na sua restante vida. Não se sabe quando é que
esta deixou de existir por não haver provas de nada.
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