sexta-feira, 3 de abril de 2009

ausência

De vez em quando todos sentimos uma sensação estranha de que falta qualquer coisa. Temos uma construção mental indefinida de algo que tem como maior semelhança o vácuo. Por vezes surgem-nos algumas coordenadas que, embora não o sejam, nos dão alguma noção de palpável.
Logo se desvanece essa noção quando temos uma pequena distracção e a única frase que a nossa parca linguagem nos permite construir é:
- Tenho a sensação de que me falta qualquer coisa.
Conquanto não seja nada de cientificamente comprovado, suponho que esta sensação de vácuo seja, comum a todos, no que diz respeito a objectos, ainda assim, relativamente a pessoas, acredito que seja mais raro, senão mesmo inexistente. Será que há mesmo alguém que diga:
- Tenho a sensação que me falta alguém.
Não me estou a referir a professores em visitas de estudo ou a rebanhos de amigos em noites de santos populares. Estou-me a referir a pessoas que fecham a porta de casa e pensam isso, que apertam os cordões dos sapatos e pensam isso, que colocam uma garfada de arroz na boca e pensam isso, que assoam o nariz e pensam isso.
Não tenho a veleidade de pensar que sou o único, mas duvido que este seja um sentimento comum a toda a humanidade.
Quando queremos referir algo indefinido somos simplificadores. As coisas que se escrevem no género feminino são coisas e as coisas que se escrevem no género masculino são coisos, logo a indefinição vem da linguística. As pessoas têm um nome, mas mesmo este tem momentos em que para os outros oscila entre coisa e coiso (com c maiúsculo) e apenas o nome não define alguém.
Quando falta alguém, o tal alguém indefinido, procuramos achar um nome, mas esse nome nem por isso preenche o vácuo.
Este vácuo, não o enquadro só ao contexto romântico do falta-me alguém para amar, ou da amizade do falta-me alguém para conversar. É um vácuo generalizado, que nos transmite apenas que na nossa vida nos falta alguém.
Quando há fogo falta-nos um bombeiro, quando há doenças agudas, um médico, quando há fé e crise, um padre. Mas e quando não há nada, nada de excepcional? Quando os dias correm na sua tonalidade cinzenta pintalgada de cores alegres? Quem é que nos falta?
Parece que estamos a jogar ao “Quem é quem?” viciado porque não sabemos o nome, nem o local semântico ao qual associar. Qual “Cavaleiro Inexistente” inexiste-nos em tudo excepto na sua apenas definível presença.
Poderia ser sufocante, mas não é, assim como provocar paranóia, mas não o faz. Pode até ser visto como positivo porque a ausência é sempre um factor que alimenta a esperança, esse bichinho cheio de apetite que funciona como motor.
Uma das vezes em que senti essa ausência foi num sonho. Estava algures numa cidade balnear e estava com quase toda agente que conheço e com quem costumo estar. Ia falando com este ou com aquela. A dada altura apercebemo-nos todos que em acontecimentos que recordávamos havia mais um de nós:
- Eu, o Artur, o Diogo e “ele” fomos ao café.
De nenhuma maneira conseguimos saber quem era ele. Não sabíamos o nome, apenas tínhamos a informação acerca do género (neste caso masculino), não sendo, apesar disso, possível defini-lo sequer como o Coiso. De resto tínhamos apenas a sensação de que preenchia os espaços em branco deixados, não pela nossa memória, mas por nós mesmos. Chegava-nos ao corpo a impressão de que “ele” tinha as características que todos tínhamos e todas as que gostaríamos de ter. Toda esta informação não nos permitia ser mais definidos porque as perspectivas que temos de nós próprios e das nossas expectativas varia entre cada um. Seria, talvez, uma “folie a deux” partilhada por todos. Não existia em nós a ideia bacoca de sermos todos e o nosso espírito de grupo, ou do um mais um igual a três, ou a ideia de deus, anjo ou demónio. Sabíamos que estava lá, só não sabíamos quem, nem como, nem porquê?
Apesar da confusão do sonho acordei bem-disposto e com as ideias organizadas. Não sou pessoa de acreditar no destino, intuição, premonição ou qualquer coisa parecida. Mas passei a acreditar que temos definitivamente espaços vazios que muito raramente se manifestam e ainda mais raramente se preenchem.
Lembrei-me ao acordar que conheci pessoas que vieram preencher esses espaços previamente manifestados. E normalmente só me apercebo disso quando o vácuo regressa com a oclusão dessas mesmas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Definitivamente não és o único, hoje e agora sinto que me "falta alguma coisa" e digo coisa por não saber o que é... É verdade que me sinto só, não sozinha, mas não sei se é alguém esse não sei o quê que me enche de uma sensação de vazio. E dias muito piores ficaram no passado e mesmo quando me faltavam muitas coisas, nem por isso sentia tanto a falta de qualquer coisa, talvez porque antes soubesse o que me faltava... Vagueio pelo que fui um dia e sorrio, às vezes sinto falta de mim. Procuro respostas que não existem e que pela sua inexistência aumentam e aumentam e aumentam essa sensação do nada e do tudo que, espero, não tenha chegado para ficar. Só me pergunto onde irá parar quando já não couber em lado nenhum... Talvez o essencial seja mesmo invisível aos olhos...