O homem ia a caminhar rapidamente na rua e levou com um raio na cabeça.
Caiu como um peso morto no chão. Levantou-se muito lentamente com um zumbido
crescente na cabeça. As pessoas foram-se aproximando e o homem só ouvia um
barulho que identificava como white noise,
mas um white noise diferente, com
gradações, como se fosse houvesse um emissor mais próximo e outro mais longe,
ou mil emissores mais próximos e mil emissores mais longe. Não conseguia ouvir
nada do que lhe diziam, nem no local, nem depois no hospital. Percebeu que os
médicos o percebiam e também conseguiu, compreender, sem ouvir, quando lhe
diziam que a sua audição estava normal aparentemente. Não tinha tido nenhuma
alteração física com o raio que lhe caiu na cabeça. O homem ficou muito pouco
descansado porque em nenhum momento o ruído parou.
Passou os tempos seguintes assim… depois de uma semana de insónia reparou
num pormenor – de facto quando tapava os ouvidos ouvia menos. O ruído afinal
parecia vir de fora de si e não de um mal funcionamento interno qualquer.
Passou a dormir com vários tipos de abafadores de som acumulados, desde os
internos bocados de silicone até abafadores industriais. Conseguiu alguma paz,
no entanto não conseguia nunca ouvir as pessoas.
Com o passar dos meses foi aprendendo linguagem gestual para poder
ultrapassar a sua surdez induzida, pois muito raramente tirava os abafadores. Mesmo
assim, às vezes, quando estava sozinho à janela fazia-o para tentar escrutinar
o que escutava.
Que ruído em camadas era aquele, que vinha de longe e vinha de perto? Um
amigo romântico sugeriu-lhe que ele ouvia as estrelas. Explorou esta ideia em
algumas entrevistas que deu e chegou mesmo a ser contactado por especialistas.
Ainda assim sem grande crença na coisa. Outra teoria que alguns defendiam
referia que podia ter sido um raio divino a acertar-lhe e como tal, o homem que
levou com um raio na cabeça, ouvia os anjos nos céus a cantar. Nesta descria
completamente.
Passaram-se anos e o público esqueceu a história. Os mais próximos já
tinham parado de inventar razões. Os vizinhos só conheciam o homem por ser o
homem que tinha abafadores na cabeça. O homem apesar de nunca ter soçobrado ao
desespero e ter levado uma vida normal do incidente em diante, nunca esqueceu a
sua condição de ouvinte de um algo especial.
Nunca descobriu que o que ouvia eram todas as folhas a cair, todas de
todas as árvores, todo o tipo de árvores e plantas que têm folhas que caem, em
todo o mundo, todo o dia, toda a noite, todas as folhas, as de perto, na mesma
rua e as de longe, no outro lado do planeta. O som das folhas a cair.